segunda-feira, 10 de junho de 2013

Psicanálise: um “presente” para o futuro? Ela tem presente? Ela tem futuro?

por Marcos Castro
         

 O que pensaria um principiante – porém, corajosamente apaixonado – no estudo da ciência psicanalítica ao “bater de frente” com tantos questionamentos e controvérsias a respeito de sua eficácia, de seu presente e seu futuro? Uns desistiriam, outros se debruçariam sobre o pouco que estudaram.... 

 Afinal, por que, após (mais de) cem anos de existência e de resultados clínicos incontestáveis, a psicanálise é tão violentamente atacada pelos que pretendem substituí-la por tratamentos químicos, julgados mais eficazes porque atingiram as chamadas causas cerebrais das dilacerações da alma (Roudinesco, 2000)?

            Pergunto eu: onde e como, então, situar-me com a psicanálise?

Segundo Garcia-Rosa (2005), a resposta pode ser: em nenhum lugar preexistente!
Ainda segundo o mesmo autor, o próprio Freud apontou a psicanálise como a terceira grande ferida narcísica sofrida pelo saber ocidental ao produzir um descentramento da razão e da consciência (as outras duas feridas foram produzidas por Copérnico e por Darwin). 

A psicanálise teria, neste caso, operado uma ruptura com o saber existente e produzido o seu próprio lugar. O fato é que, ao percorrermos o – ou recorrermos ao – caminho empreendido por Freud, verificamos que seu começo – da psicanálise – é a produção do conceito de Inconsciente que resultou na clivagem da subjetividade. A partir deste momento, a subjetividade deixa de ser entendida como um todo unitário, identificado com a consciência e sob o domínio da razão, para ser uma realidade dividida em dois grandes “sistemas” – o Inconsciente e o Consciente – e dominada por uma luta interna em relação à qual a razão é apenas um efeito de superfície. Paralelamente à clivagem da subjetividade em Consciente e Inconsciente, dá-se uma ruptura entre enunciado e enunciação, o que implica admitir-se uma duplicidade de sujeito na mesma pessoa. 

Essa divisão não se faz em nome de uma unidade harmoniosa do indivíduo, mas produz uma fenda entre o “dizer” e o “ser”, entre o “eu falo” e o “eu sou”. Daí a conhecida inversão lacaniana da máxima de Descartes: “Penso onde não sou, portanto sou onde não penso”. Dito de outra maneira o cogito não é o lugar da verdade do sujeito, mas o lugar do seu desconhecimento.

            Portanto, sinto-me mais situado, consciente de que a psicanálise se apresenta como uma teoria e uma prática (uma ciência) que pretende falar do homem enquanto ser singular, mesmo que afirme a clivagem inevitável a que esse sujeito é submetido. O ato analítico é o ato da escuta – nem sempre calada – em busca da verdade do sujeito e não do sujeito da verdade (Garcia-Rosa, 2005). A psicanálise veio ocupar, a partir do século XX, este lugar da escuta do discurso individual.

            Mas ainda fica a questão: por que o ser que sofre precisa da psicanálise se tem a psicofarmacologia para cuidar dos sintomas de seu sofrimento?
Neste caso, – desta questão – não me arrisco a maiores contextualizações – até porque não é necessário.

De modo simples e introdutório, fica fácil de responder: a partir de 1950, as substâncias químicas modificaram a paisagem da loucura, do sofrimento; substituindo os tratamentos de choque pela redoma medicamentosa. Embora não curem nenhuma doença mental ou nervosa, elas – as substâncias químicas – revolucionaram as representações do psiquismo, “fabricando um novo homem”, polido e sem humor, esgotado pela evitação de suas paixões, envergonhado por não ser conforme ao ideal que lhe é proposto. Os remédios têm o efeito de normalizar comportamentos e eliminar os sintomas – só os sintomas! – mais dolorosos do sofrimento psíquico, sem lhes buscar significação (Roudinesco, 2000).

No que depender de mim a psicanálise continuará sempre sendo um presente para o futuro desde que nós a façamos presente, oferecendo-nos como ouvintes – às vezes conseguindo interpretar e ajudar o analisando na hiância do inconsciente que nos é mostrada na fala do sujeito.

Ainda não me sinto apto a inferir sobre o futuro da psicanálise; e muito menos quanto ao meu futuro como psicanalista – “só o analista se autoriza a si mesmo” – porém embaso-me em Elisabeth Roudinesco para escrever-lhes - e expor-lhes meu desejo de analista - que, a psicanálise restaura a idéia de que o homem é livre por sua fala e de que seu destino não se restringe a um ser biológico. Por isso, no futuro, ela deverá conservar integralmente o seu lugar, ao lado das outras ciências, para lutar contra as pretensões obscurantistas que almejam reduzir o pensamento a um neurônio ou confundir o desejo com uma secreção química.

Referências bibliográficas
GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. 21ed. Rio de Janeiro: Jorge Zafar Ed., 2005.
ROUDINESCO, E. Por que a psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zafar Ed., 2000.      
           
           




           




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