sábado, 8 de junho de 2013

Análise do Conto de Fadas "O Rei Sapo"

por Ana Scheer

Este trabalho tem como objetivo falar um pouco dos três ensaios sobre a teoria da sexualidade, escrito por Freud, através dos contos de fadas.

            O conto que escolhi para tematizar este pequeno artigo foi o conto entitulado “O Rei Sapo” dos Irmãos Grimm.

            Para articular o conto com os três ensaios sobre a teoria da sexualidade, escolhi o autor Bruno Bettelheim.

            Em “O Rei Sapo”, Bettelheim explora temas como narcisismo, auto-erotismo, perda da inocência infantil, os três ensaios sobre a teoria da sexualidade (“sexualidade infantil” e “ transformações da puberdade”), princípio de prazer, superego, Édipo, castração e escolha de objeto.

            Dentre estes temas destacados acima são de minha preferência para este trabalho  perda da inocência infantil, “As transformações da Puberdade”, Édipo e castração e escolha de objeto.

O Rei Sapo

            “O Rei Sapo” começa com a princesinha caçula brincando com uma bola de ouro ao lado de um poço. A bola cai dentro dele e a princesa fica muito triste e começa a chorar. Um sapo aparece perguntando o que a afligia; quando a menina conta a ele o que havia acontecido, o sapo se oferece para devolver-lhe a bola de ouro e em troca ela teria que aceitá-lo como seu companheiro, permitindo-lhe sentar-se ao seu lado, beber no seu copo, comer no seu prato e dormir com ela na cama. Ela promete isso tudo pensando que o sapo nunca pudesse ser o companheiro de uma pessoa. O sapo então, pega a bola e a devolve. Quando ele pede para ser levado ao palácio, a menina foge e se esquece do sapo.

            No dia seguinte, na hora do jantar da corte, o sapo aparece e pede para entrar e a princesa lhe fecha a porta. O rei que observa sua aflição pergunta o que está acontecendo e ela conta o sucedido e o rei insiste que ela mantenha a promessa. A princesa, então, abre a porta para o sapo, mas ainda hesita de levá-lo para a mesa e novamente o rei diz para ela cumprir a promessa. Mais uma vez, a princesa tenta renegá-lo quando o sapo pede para ir para a cama e o rei zangado diz que ela não deve desprezar quem a ajudou.

            Quando o sapo se deita com a princesa ela fica tão repugnada que o atira contra a parede e ele se transforma em um lindo príncipe.

Perda da inocência infantil

Segundo Bettelheim (1979), a perda da inocência infantil acontece no momento em que a bola de ouro da princesa cai no poço. Para o autor, a bola de ouro representa o símbolo da perfeição enquanto esfera e enquanto material, já que ouro é o material mais precioso. Além disso, a bola, segundo esse mesmo autor, representa também uma psique narcisista que ainda não foi desenvolvida, ou seja, a psique narcisista do sujeito criança, mas quando a bola cai no poço perde-se a ingenuidade ou entra-se no campo da puberdade.

A brincadeira da princesa com sua bola, como os Irmãos Grimm descrevem, representa a pulsão sexual auto-erótica que Freud fala nos três ensaios sobre a teoria da sexualidade, mais especificamente no segundo ensaio “A sexualidade infantil”. Laplanche (1982) explica que o auto-erotismo é a característica de um comportamento infantil pela qual uma pulsão parcial, ligada ao funcionamento de um órgão ou à excitação de uma zona erógena, encontra a sua satisfação no local, sem recorrer a um objeto exterior e sem referência da imagem do corpo unificado.

Segundo Freud, por Laplanche (1982), o auto-erotismo é “a pulsão que não é dirigida para outras pessoas; satisfaz-se no próprio corpo.” (p.47).

É importante lembrar, explica Laplanche (1982), que o auto-erotismo deve ser concebido como uma excitação sexual que nasce e se apazigua ali mesmo; é o prazer do órgão. A brincadeira da princesa com a bola representa o contato da zona erógena com outra parte do corpo, como uma masturbação, por exemplo.

Outro ponto ainda a ser explorado neste item, segundo Bettelheim (1979) é o contato da criança com o sexo que não está isento de repulsa, ansiedade, nojo e vergonha. Não é a toa que o primeiro contato amoroso/sexual da princesa no conto de fadas descrito anteriormente é com o sapo; um animal asqueroso que causa repulsa.

“Em outro nível a estória diz que não podemos esperar que nossos
primeiros contatos eróticos sejam agradáveis, pois são demasiado difíceis e estão cercados de ansiedade.” (BETTELHEIM, 1979. Pág. 328).

            Não podemos esquecer o que Freud (1905) fala sobre a angústia das crianças. Ele afirma que esta angústia remete à expressão da falta que as crianças sentem da pessoa amada e por isso se angustiam diante de qualquer estranho. É a representação do desvalimento.

Segundo Freud (1905) é na puberdade que surgem as mudanças que levam a vida sexual infantil à sua configuração normal definitiva. E é a partir do terceiro ensaio, ou seja, a partir das transformações da puberdade que a pulsão encontra o objeto sexual, que no conto do Rei Sapo, é o sapo que mais tarde vira príncipe.

Édipo e Castração.

            Édipo e Castração são temas também presentes no conto de fadas e que se relaciona com o terceiro ensaio sobre a teoria da sexualidade.

            Ao falar de Édipo neste item, podemos falar do Édipo do menino (sapo/príncipe) e do Édipo da menina (princesa).

            Para Bettelheim (1979), o Complexo de Édipo aparece no conto quando o príncipe ainda na forma de sapo, ou seja, o sujeito como criança, ainda precisa da mãe, que na estória é representada pela princesa.

“Complexo de Édipo é a representação inconsciente                                                                        pela qual se exprime o desejo sexual amoroso da 
       criança pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade
     para com o genitor do mesmo sexo.” (ROUDINESCO, 1998.
p. 166).

            Segundo Bettelheim (1979), o sapo é a criança que deseja uma relação simbiótica com a mãe, ou seja, a criança deseja sentar no colo da mãe, comer no seu prato, beber no seu copo, subir na sua cama para deitar com ela. Depois de certo tempo, esta simbiose com a mãe deve ser negada e por mais que a criança queira ficar na cama da mãe, esta tem de “atirá-lo fora”. Só quando os pais instauram o NÃO como barreira da simbiose é que a criança se inaugura como sujeito desejante e começa a ser ela mesma. E assim acontece com o sapo que é atirado longe pela princesa e vira um lindo príncipe.

            Segundo Freud, citado por Roudinesco (1998), o Complexo de Édipo está ligado à fase fálica da sexualidade infantil. Aparece quando o menino começa a ter sensações voluptuosas. Ele, então se apaixona pela mãe e quer possuí-la e coloca-se como rival do pai. O mesmo acontece com a menina, mas ela deseja o pai e se torna rival da mãe.

            Ainda citando Freud por Roudineso (1998), o Complexo de Édipo no menino desaparece com a castração, pois este reconhece na figura paterna o obstáculo à realização de seus desejos.

             Segundo Nasio (1997) o Complexo de castração acontece no menino em cinco tempos. O primeiro tempo é marcado pela descoberta do menino de que meninas não possuem pênis e a partir desta descoberta, a crença da universalidade do membro viril abre caminho para a angústia de um dia ficar despossuído de pênis; o menino pensa que a posse do tal órgão não é garantida. O segundo tempo é a ameaça verbal feita pelo pai de tirar o pênis do filho e com essa ameaça verbal o pai tira toda e qualquer esperança do menino de um dia tomar o lugar do pai na relação com a mãe; desse modo, o menino é obrigado à renunciar as fantasias de incesto e essa ameaça é internalizada pela criança e que constituirá as bases para o superego. O terceiro tempo também é uma ameaça verbal, porque é aonde se descobre a diferença anatômica entre homens e mulheres e para o menino em pleno Édipo a genitália da mulher não é a vagina; é a ausência de pênis. O menino diante desta descoberta se lembra das ameaças feitas pelo pai e percebe o perigo. O quarto tempo é marcado pela crença de que mulheres mais velhas e respeitáveis, como a mãe, são dotadas de um pênis e quando o garotinho percebe que essa mulher toda poderosa não tem o tal membro,  ele começa a viver a angústia da castração. Finalmente, no último tempo, o menino aceita a falta do pênis da mulher; aceita a lei da proibição e opta por salvar o seu pênis mesmo tendo que renunciar à mãe como parceira sexual; desse modo é possível a afirmação da identidade masculina e ele então busca uma outra parceira amorosa fora do triângulo edípico.

            Isso no conto de fadas do Rei Sapo, mostra que o sapo tem a princesa como mãe em pleno Édipo em um primeiro momento, quando ele pede para comer no prato dela, sentar no colo dela e beber no copo dela, e quando ele aceita a castração e adota sua identidade masculina, ou seja, quando vira príncipe, encontra-se com uma parceira sexual fora da relação edípica, que também é a princesa, mas é a princesa sob uma outra ótica, em um segundo momento.

            Também segundo Nasio (1997), o complexo de castração na menina passa por quatro tempos. No primeiro tempo, a menina acredita que ambos os sexos são dotados de pênis. No segundo tempo, a menina descobre que o clitóris é muito pequeno para ser um pênis e ela tem a fantasia da certeza de que foi castrada. No terceiro tempo há a descoberta de que a mãe é tão castrada quanto ela, então a menina a despreza por essa não ter-lhe dado um verdadeiro corpo de mulher. A partir disso, a menina destina seu ódio à mãe e dirige seu amor para o pai. Finalmente, no quarto tempo, a menina sai do complexo de castração e deseja um homem que possa lhe dar um pênis ou um falo e esse homem é o pai, então a menina entra assim no Édipo. Como a relação menina-pai é tão incestuosa como a relação menino-mãe, mais tarde, a menina vai atrás de sua escolha de objeto fora do triângulo edipiano. No conto presente neste trabalho, o objeto escolhido pela princesa é o príncipe.

            A castração é a expressão da impossibilidade de se ficar na simbiose, esta que é a representação do paraíso-completude. Somente ao se instaurar a castração, como impossibilidade humana da completude-paraíso, o sujeito se transforma em desejante, ou seja, um ser livre, um ser de cultura.

Príncipe e princesa: Encontro de objeto.

            “Mas é na esfera da representação que se consuma
inicialmente a escolha de objeto.” (FREUD, 1905.
P.213).

            Freud (1905) fala de dois tipos de escolha de objeto; a escolha de objeto por apoio e a escolha de objeto narcísica. É importante lembrar, que para ambos os tipos, Freud (1905) diz que escolha de objeto é o ato de eleger uma pessoa como objeto de amor.

            Freud (1905) diz que para a escolha de objeto acontecer na fase pós-pubertária, o caminho já foi preparado desde a mais tenra infância. Laplanche (1982) explica que o que orienta a escolha de objeto apóia-se nas imagens dos personagens parentais, ou seja, ama-se a mulher que alimenta e o homem que protege e estes sendo pessoas substitutivas dos pais da primeira infância; por isso Freud (1905) diz que “o encontro do objeto é, na verdade, um reencontro.” (p. 210).

“A afeição infantil pelos pais é sem dúvida
o mais importante , embora não o único, dos
 vestígios que, reavivados na puberdade,
 apontam o  caminho para a escolha de objeto.”
(FREUD, 1905, P. 216).

            Segundo Freud explicado por Laplanche (1982), o que está em jogo na escolha de objeto por apoio, enfatizada neste artigo, além da busca pelo objeto perdido e pela reprodução da primeira satisfação, é uma escolha de amor ligada à alimentação, aos cuidados, à proteção e ao objeto sexualmente satisfatório.

            O final do Conto “O Rei Sapo” nada mais é do que o príncipe e a princesa buscando o objeto sexualmente satisfatório ou a felicidade plena e eterna. Bettelheim (1982) para o jornal “O Globo” disse: “sem nunca mais ter que experimentar a ansiedade da separação” ou da castração.

Considerações finais.

            Com este artigo somos capazes de perceber a riqueza que é encontrada em uma aparente estória inocente e infantil. Além da riqueza deste tipo, conseguimos observar uma abundância de teoria psicanalítica e a grandeza de nosso aparelho psíquico.

            Em um simples conto de fadas foram desenvolvidos por Bettelheim nove temas da psicanálise, dos quais desbravei seis.

            Bettelheim, no livro, “A Psicanálise dos Contos de Fadas” afirma a importância dos contos para as crianças, porque todos esses assuntos aqui abordados e os não abordados também, são internalizados por estas que estão vivenciando todas essas etapas e construção da vida psíquica. A criança se identifica com os heróis, príncipes e princesas e conseguem elaborar melhor este turbilhão que é a formação do aparelho psíquico.

            "Há maior significado profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina." (Schiller)

            Também considero importante concluir que o Complexo de Édipo é considerado por Freud, um evento humano universal, que possibilita ao sujeito o ingresso na ordem da cultura e do simbólico. A triangularidade expressa no Édipo é a condição fundante da especificidade do humano. A interdição do incesto é a instauração da lei que culturaliza o sujeito. Temos assim uma significação existencial de antes e depois do Édipo. A criança vai ter que se haver com o fato de o humano ter dois representantes: um homem e uma mulher e que necessariamente ela terá que se identificar com um e escolher o outro como objeto. A interdição do incesto é a impossibilidade de se ficar na simbiose com a mãe, esta que é o primeiro amor. Esta é a condição de entrar na ordem da cultura a qual como humanos, pertencemos. Não podemos esquecer que somos serem essencialmente de relação; é a relação que nos define.
            No conto, a impossibilidade de permanecer fora da relação surge quando a bola cai no poço, pois o sapo se oferece para pegá-la. Entrar na relação exige do sujeito um retorno. Nós humanos estamos no conto sendo representados pela princesa e tentamos nos eximir de entrar na cultura e o pai, que é a função pai a que somos submetidos na primeira infância, é o representante da lei-cultura e cobra a saída do paraíso e o cumprimento da lei, ou seja, interdita a permanência fora da relação. Assim emerge-se um sujeito desejante.
            Como ressaltamos, o terceiro ensaio sobre a teoria da sexualidade, que trata das transformações da puberdade, reedita a primeira infância e não diferente, é geradora de angústia. Nesta fase, a teorias do Édipo e da castração serão responsáveis pela escolha objetal, que é decisiva na vida de um sujeito.
            O tema Contos de fadas foi escolhido para este trabalho, porque além de acreditar e concordar quando Bettelheim fala que a criança se identifica com heróis, príncipes e princesas, a história infantil de ficção pode ser trabalhada como um caso clínico, e esta foi a intenção apresentada neste artigo.

Referências:
BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Trad. Arlene Caetano. 3º edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
FREUD, S. (1905) Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. 7.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário de Psicanálise. Trad. Pedro Tamen. 1º edição. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
NASIO, J.D. Lições sobre 7 conceitos cruciais da Psicanálise. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Trad. Vera Ribeiro, Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

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