terça-feira, 18 de junho de 2013

A Psicanálise e A Culpa

por José Del-Fraro Filho

Nós temos em nossa consciência, um espaço de liberdade e discernimento a nos implicar em nossas ações e escolhas. 

Porém o inconsciente se interliga ao consciente de forma inextricável e constitutiva da consciência. Isso nos leva ao raciocínio de que nossa liberdade é apenas parcial no que se refere às nossas condutas. 

Muito daquilo que denominamos pecado é na verdade limitação histórica, falta de cuidados recebidos, falta de amor que acirra nossa destrutividade e culpa inconsciente, e não pecado.

A criança e o adolescente, ao se tornarem adultos, carregam, independentemente de terem alguma religião, mais ou menos grau de culpa. Isso se dá pelas seguintes situações vividas por todos nós no amadurecimento emocional (apenas enumerando algumas delas):

- Culpa por ter desejado ser exclusivo no desejo e na vida da mãe (e os desejos inconscientes não morrem nunca).

- Culpa por ter desejado, na fantasia, destruir o seio e o corpo materno e a própria mãe como pessoa, por ter sido frustrado no desejo de exclusividade e por ela não ter satisfeito todos os nossos desejos e necessidades.

- Culpa por ter desejos incestuosos pelo genitor do sexo oposto e pela rivalidade com o genitor do mesmo sexo.

- Culpa por não ter pelos pais apenas sentimentos sublimes, construtivos.

- Culpa por ter desejado a morte de irmãos rivais.

- Culpa por ter desejado excluir o pai da relação mãe e filho(a).

- Culpa por ter desejado, de maneira homoerótica, ou seja, o genitor do mesmo sexo ou criança do mesmo sexo.

- Culpa por não corresponder totalmente aos ideais que os pais gostariam, e por atos que a criança, ao crescer (superego), percebe serem contrários aos interesses civilizatórios e familiares.

- Culpa pela ambivalência afetiva constitutiva: o amor e ódio pela mesma pessoa (pais).

* A culpa é constitutiva da natureza humana, o excesso de culpa é patológico.

Mediante esse rosário de culpas a criança, para não sucumbir, elabora fantasias e atos reparadores. O amor e a sobrevivência dos pais são fundamentais para que as reparações inconscientes possam integrar melhor o seu amadurecimento. 

A reparação pode acontecer de várias formas, sadias e neuróticas, e pode nos transformar em adultos éticos, criativos, bondosos, sublimes ou submissos, excessivamente escrupulosos, obsessivos etc. Tudo isso movidos pelo desejo de reparação interna e externa.

Quando, na vida adulta, alguma situação apresenta semelhança com aquilo já vivido, o inconsciente se manifesta e vem à tona algum rastro ou marca de culpa em nossas consciências. A angústia sobrevém e sentimos necessidade de dar um nome ao vivido. Esse descompasso, essa inadequação, essa coisa fora de lugar que incomoda e gera desconforto costumamos associar, em nossa cultura judaico-cristã, a pecado.

Há Igrejas e modelos de Igrejas que tentam trabalhar a pessoa, bem ou mal intencionadas (não cabem aqui julgamentos), pelo prisma do moralismo, do dogmatismo e fundamentalismo. 

O ser humano, nesse estado, acaba perdendo muito de sua espontaneidade e criatividade, além da capacidade de crítica. Movidas e freadas pela culpa inconsciente, mais vivida na consciência como pecado, as pessoas se tornam massa de manobra, escravas de líderes carismáticos, de normas e regras farisaicas. E elas passam a tratar o próximo com enorme severidade e rigor, como seus superegos as tratam.

Escutando tantas pessoas todos os dias e há tantos anos em consultório, a cada dia mais me convenço que a culpa mal trabalhada leva não somente a excesso de escrúpulos, mas a neuroses, precipita doenças como a síndrome do pânico, obsessões e até mesmo graves doenças psicossomáticas. Mas, principalmente, conduz o ser humano a uma infelicidade crônica, a um boicote quanto a uma boa qualidade de vida.

trecho de um artigo de José Del-Fraro Filho
Psiquiatra, Psicanalista
autor do livro Os obstáculos ao amor e à fé: Amadurecimento Humano e Espiritualidade Cristã, Paulus. 
Email: clinicafraro@planetarium.com.br

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