domingo, 30 de junho de 2013

O Setting Analítico

Em Psicanálise, a configuração do setting é terapêutica porque serve de objeto transicional para o mundo, e o analista serve de objeto transicional para os objetos (pessoas com quem vai se relacionar). O setting analítico é como se fosse uma 'maquete' do 'mundo lá fora.'
Em outras palavras, a pessoa treina, expondo sua forma de ser, e tendo o analista como espelho, passa a se enxergar.
O analista, numa atitude de entrega, dispõe o próprio Ego para ser emprestado ao analisando, permitindo-o pensar, e juntos, desenvolvem novas estratégias para o analisando escolher, (ou não) outro comportamento diferente, até obter o resultado desejado. Com o tempo, o analisando começa a não precisar mais do Ego do analista emprestado, e depois de um tempo fica independente, sem precisar da transição entre o seu narcisismo e a realidade. Aos poucos, verá que alguns (muitos) comportamentos e reações são universais, e antecipando as reações dos outros, num primeiro momento irá se conter, mas quando estiver realmente bem, vai inserir atitudes no ambiente que modificarão a realidade a seu favor. (Wally Martins)


O Tempo

Penso o TEMPO!
Aquele, o lógico.
O que traz a asserção antecipada.
O que faz querer...rápido!
O consciente, pois o outro – o inconsciente – é atemporal.
Derramei... Ação do Id!
Veio a imagem da lenda árabe: “As Mil e UMA Noites”
Dizer “mil noites” é dizer infinitas noites, as muitas noites,
as inumeráveis noites.
Dizer “mil e UMA noites” é acrescentar UMA ao infinito.
Volto...
Então, ∞ ∞ ∞ ∞ mais um. Melhor ainda!
Manejo – feliz - o TEMPO, SEMPRE! 
(Marcos Castro)




sábado, 29 de junho de 2013

Entre O Corpo e A Alma - Um Documentário sobre a Esquizofrenia

Este video tem por objetivo contribuir para uma melhor compreensão da esquizofrenia e oferecer uma esperança realista aos que convivem com o transtorno.


Entre o Corpo e a Alma from Jorge Assis on Vimeo.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Complexo de Castração

O complexo de castração marca uma experiência psíquica que apesar de inconsciente, é definitiva para determinar a futura identidade sexual da criança. Essa experiência acontece por volta dos 5 anos de idade, mas opera nas escolhas objetais até o fim da vida. O complexo de castração é vivenciado de forma diferente por meninos e meninas. O menino quando descobre que a menina não tem pênis, acredita que pode perder o dele; e as manifestações neuróticas são decorrentes do medo de perder este membro especial. O complexo de castração acontece depois do complexo de Édipo nos meninos. A menina, como não tem pênis, não teme a castração. Então ela elabora a castração. Ela atribui à mãe a culpa de não ter um pênis e busca o pênis do pai. Ao contrário dos meninos, ela inicia na castração e termina abandonando o Édipo. É por meio desta fantasia inconsciente que se dá a estrutura do sujeito. (Wally Martins)


O Princípio da Realidade

O Princípio da Realidade é um dos princípios do funcionamento mental, o qual está ligado ao processo secundário, e é um conceito relacionado ao pensar e ao consciente. É uma espécie de mecanismo psíquico e como o próprio nome diz orienta o homem à realidade. É contrastante ao princípio do prazer que supera os limites consentidos pela moral e cria conflitos interiores. O desejo relacionado ao Principio do Prazer, tenta superar limites. Nesse momento pode entrar em ação o mecanismo de defesa: a Repressão. Assim, podemos dizer que o Princípio da realidade nos frustra. Penso nele como uma rédea. E o tamanho desta rédea provavelmente depende do tamanho do ego (em termos de saúde psíquica). (Wally Martins)


Adorável Psicose - Complexo de Édipo

11o episódio da 2a temporada da Série do Canal Multishow.

domingo, 23 de junho de 2013

Gozando o Sintoma

Freud chamou o sintoma de formação de compromisso, compromisso que a pessoa elabora entre sua problemática inconsciente e suas defesas, ele é o retorno do que foi reprimido. E se o sintoma faz o sujeito sofrer, porque ele tem dificuldade de renunciar a isso? Ora, porque ele é uma solução de compromisso que se inscreveu no processo de construção do sujeito. É como se fosse a marca que o identifica, sua assinatura. Sendo assim, é difícil que alguém abra mão disso, “sob pena de se separar de uma parte dele mesmo”.(Andreneide Dantas)

Você já reparou como tem pessoas que vivem alimentando a sua dor? E que fazem questão de permanecerem deprimidas e doentes? Esses são os casos mais graves. Mas é natural do ser humano querer 'gozar' (psicanaliticamente falando) o sintoma. Infelizmente, e de uma forma inconsciente, o sujeito não quer abrir mão de seu sintoma porque sente que o sintoma dá a ele uma identidade, e pensa que ao perder o sintoma vai perder a sua identidade. É preciso trabalhar isso em análise para que possa então sair desse círculo vicioso.  (Wally Martins)

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Análise de uma mente - Freud (Documentário)

Este documentário explora a vida de Sigmund Freud, através da análise de detalhes de sua personalidade e de suas relações familiares, desde sua infância, que inspirou muitas de suas idéias, até sua fama mundial.

Recorre a variado material biográfico, artigos pessoais, cartas, diários, fotografias e imagens raras.

Apresenta entrevistas com diversos especialistas, como o psicólogo e historiador Joe Aguayo, o diretor executivo dos arquivos de Freud Dr. Harold P. Blum, o psicanalista Dr. Leo Rangell e autores e escritores da área psicológica. Traz ainda depoimentos dos netos de Sigmund Freud, Walter e Sophie Freud. 

O programa mostra as teorias de Freud, enquanto percorre sua complexa personalidade, mostrando que, apesar de suas idéias revolucionárias, que influenciam a época moderna, Freud foi flagelado por medos neuróticos, incômodas obsessões e comportamentos adictivos. 

Apesar da dificuldade de apresentar um sumário de uma vida e trabalho tão complexos quanto os de Freud em 50 minutos, este documentário faz um trabalho excelente, dando uma visão geral dos principais eventos de sua vida, e apresenta dois aspectos pouco mostrados da vida de Freud: seu interesse pela cocaína e o trabalho que fez para promover o uso da droga, e o modo como o anti-semitismo e a ascensão do nazismo na Alemanha e na Áustria lhe causaram forte impacto, forçando-o a se exilar na Inglaterra. 

O diferencial deste documentário é ter um enfoque biográfico, sendo mais voltado a fatos interessantes da vida de Freud que a sua obra.

terça-feira, 18 de junho de 2013

A Psicanálise e A Culpa

por José Del-Fraro Filho

Nós temos em nossa consciência, um espaço de liberdade e discernimento a nos implicar em nossas ações e escolhas. 

Porém o inconsciente se interliga ao consciente de forma inextricável e constitutiva da consciência. Isso nos leva ao raciocínio de que nossa liberdade é apenas parcial no que se refere às nossas condutas. 

Muito daquilo que denominamos pecado é na verdade limitação histórica, falta de cuidados recebidos, falta de amor que acirra nossa destrutividade e culpa inconsciente, e não pecado.

A criança e o adolescente, ao se tornarem adultos, carregam, independentemente de terem alguma religião, mais ou menos grau de culpa. Isso se dá pelas seguintes situações vividas por todos nós no amadurecimento emocional (apenas enumerando algumas delas):

- Culpa por ter desejado ser exclusivo no desejo e na vida da mãe (e os desejos inconscientes não morrem nunca).

- Culpa por ter desejado, na fantasia, destruir o seio e o corpo materno e a própria mãe como pessoa, por ter sido frustrado no desejo de exclusividade e por ela não ter satisfeito todos os nossos desejos e necessidades.

- Culpa por ter desejos incestuosos pelo genitor do sexo oposto e pela rivalidade com o genitor do mesmo sexo.

- Culpa por não ter pelos pais apenas sentimentos sublimes, construtivos.

- Culpa por ter desejado a morte de irmãos rivais.

- Culpa por ter desejado excluir o pai da relação mãe e filho(a).

- Culpa por ter desejado, de maneira homoerótica, ou seja, o genitor do mesmo sexo ou criança do mesmo sexo.

- Culpa por não corresponder totalmente aos ideais que os pais gostariam, e por atos que a criança, ao crescer (superego), percebe serem contrários aos interesses civilizatórios e familiares.

- Culpa pela ambivalência afetiva constitutiva: o amor e ódio pela mesma pessoa (pais).

* A culpa é constitutiva da natureza humana, o excesso de culpa é patológico.

Mediante esse rosário de culpas a criança, para não sucumbir, elabora fantasias e atos reparadores. O amor e a sobrevivência dos pais são fundamentais para que as reparações inconscientes possam integrar melhor o seu amadurecimento. 

A reparação pode acontecer de várias formas, sadias e neuróticas, e pode nos transformar em adultos éticos, criativos, bondosos, sublimes ou submissos, excessivamente escrupulosos, obsessivos etc. Tudo isso movidos pelo desejo de reparação interna e externa.

Quando, na vida adulta, alguma situação apresenta semelhança com aquilo já vivido, o inconsciente se manifesta e vem à tona algum rastro ou marca de culpa em nossas consciências. A angústia sobrevém e sentimos necessidade de dar um nome ao vivido. Esse descompasso, essa inadequação, essa coisa fora de lugar que incomoda e gera desconforto costumamos associar, em nossa cultura judaico-cristã, a pecado.

Há Igrejas e modelos de Igrejas que tentam trabalhar a pessoa, bem ou mal intencionadas (não cabem aqui julgamentos), pelo prisma do moralismo, do dogmatismo e fundamentalismo. 

O ser humano, nesse estado, acaba perdendo muito de sua espontaneidade e criatividade, além da capacidade de crítica. Movidas e freadas pela culpa inconsciente, mais vivida na consciência como pecado, as pessoas se tornam massa de manobra, escravas de líderes carismáticos, de normas e regras farisaicas. E elas passam a tratar o próximo com enorme severidade e rigor, como seus superegos as tratam.

Escutando tantas pessoas todos os dias e há tantos anos em consultório, a cada dia mais me convenço que a culpa mal trabalhada leva não somente a excesso de escrúpulos, mas a neuroses, precipita doenças como a síndrome do pânico, obsessões e até mesmo graves doenças psicossomáticas. Mas, principalmente, conduz o ser humano a uma infelicidade crônica, a um boicote quanto a uma boa qualidade de vida.

trecho de um artigo de José Del-Fraro Filho
Psiquiatra, Psicanalista
autor do livro Os obstáculos ao amor e à fé: Amadurecimento Humano e Espiritualidade Cristã, Paulus. 
Email: clinicafraro@planetarium.com.br

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Os Terroristas, Os Vândalos, Freud e a Democracia

Enquanto Obama rebolava para tentar justificar a escuta indiscriminada dos cidadãos que viam de um momento para o outro que suas vidas, na maior e mais decantada democracia do mundo, nada tem de privada, a Avenida Paulista era tomada por vândalos, que além de protestar pelo acréscimo de vinte centavos nas passagens de ônibus, promoviam agressões e prejuízos vultosos aos patrimônios público e privado.

Embora sejam episódios geográfica e visualmente distantes, a genealogia para ambos os episódios, de alguma forma se equipara, quando tentamos entender o que motiva e operacionaliza o terrorismo do Al-Qaeda – supostas justificativas para a instalação de espionagem digital nos EUA – e os vândalos da Avenida Paulista.

Em sua obra Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud faz uma análise de como se dá a relação de um indivíduo, seus impulsos instintuais, os motivos e até as suas relações com aqueles que lhe são mais próximos, formando um grupo. Afirma que tais indivíduos sob certas condições passam a agir de forma inconsciente, completamente diferente daquela que seria esperada “o indivíduo adquire a característica de ‘um grupo psicológico’”.

Assim, “os fenômenos inconscientes desempenhariam papel inteiramente preponderante no grupo, subjugando o consciente e a inteligência. O inconsciente seria sugestionável, descuidado nas deliberações, apressado nos julgamentos, desprovido de autoconsciência, de autorrespeito e de responsabilidade, condicionando aquele por ele dominado a apresentar um comportamento assemelhado ao de uma criança ou um animal selvagem”.

Para o grupo ter essa característica, faz-se indispensável a presença de uma liderança forte, arbitrária e fascinante. Freud continua “em um grupo, todo sentimento e todo o ato são contagiosos em tal grau, que o indivíduo prontamente sacrifica seu interesse pessoal ao interesse coletivo. Algo totalmente contrário a sua natureza a não ser quando submetido a tal situação. Isso pode ocorrer a qualquer homem por civilizado, pacato, mas envolvido pelo grupo”.

Esse rebanho obediente necessita de um senhor, que pode ser qualquer um do grupo que se indique a si próprio o chefe. Esse deve ser fascinado por uma intensa fé, uma ideia, a fim de despertar a fé do grupo. Precisa ter vontade forte e imponente, que o grupo não tem vontade própria. Não há espaço para diálogo, nem divergências. Freud considera a falta de liberdade o principal fenômeno da psicologia do grupo. É imensa a intensidade dos vínculos emocionais entre os membros desse grupo. Etéreo amálgama a moldar os terroristas suicidas e de uma forma imprecisa e ainda envolta em bruma, os baderneiros da Avenida Paulista.

Paradoxalmente, sozinhos e em suas vidas privadas, eles são pessoas normais. O psiquiatra muçulmano dr. Eyad Sarraj afirma que os terroristas islâmicos são “geralmente pessoas tímidas, introvertidas e não violentas, de uma forma geral”. E o renomado psicólogo da Universidade de Tel-Aviv, dr. Ariel Merari, que estudou cada terrorista suicida no Oriente Médio por um período de 18 anos, afirma que não conheceu nenhum caso de terrorista suicida que fosse realmente psicótico.

Portanto, fica mais fácil compreender porque a sociedade norte-americana, profundamente neurotizada pelos atentados terroristas, aceite majoritariamente que sua vida privada seja devassada. Em busca de uma tranquilidade para sempre perdida, os pressupostos básicos da democracia parece que, lamentável e infelizmente, são e serão sacrificados cada vez mais.

terça-feira, 11 de junho de 2013

O Amor para a Psicanálise

A entrevista foi publicada na Psychologies Magazine em outubro 2008. A entrevistadora é Hanna Waar. 

Psychologies: A psicanálise ensina alguma coisa sobre o amor?

Jacques-Alain Miller: Muito, pois é uma experiência cuja fonte é o amor. Trata-se desse amor automático, e freqüentemente inconsciente, que o analisando dirige ao analista e que se chama transferência. É um amor fictício, mas é do mesmo estofo que o amor verdadeiro. Ele atualiza sua mecânica: o amor se dirige àquele que a senhora pensa que conhece sua verdade verdadeira. Porém, o amor permite imaginar que essa verdade será amável, agradável, enquanto ela é, de fato, difícil de suportar.

P.: Então, o que é amar verdadeiramente?

J-A Miller: Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a uma verdade sobre si. Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão “Quem sou eu?”.

P.: Por que alguns sabem amar e outros não? 

J-A Miller: Alguns sabem provocar o amor no outro, os serial lovers – se posso dizer – homens e mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro, que ele lhe falta. Os que crêem ser completos sozinhos, ou querem ser, não sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias.  

P.: “Ser completo sozinho”: só um homem pode acreditar nisso… 

J-A Miller: Acertou! “Amar, dizia Lacan, é dar o que não se tem”. O que quer dizer: amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo. Para isso, é preciso se assegurar de sua falta, de sua “castração”, como dizia Freud. E isso é essencialmente feminino. Só se ama verdadeiramente a partir de uma posição feminina. Amar feminiza. É por isso que o amor é sempre um pouco cômico em um homem. Porém, se ele se deixa intimidar pelo ridículo, é que, na realidade, não está seguro de sua virilidade.

P.: Amar seria mais difícil para os homens? 

J-A Miller: Ah, sim! Mesmo um homem enamorado tem retornos de orgulho, assaltos de agressividade contra o objeto de seu amor, porque esse amor o coloca na posição de incompletude, de dependência. É por isso que pode desejar as mulheres que não ama, a fim de reencontrar a posição viril que coloca em suspensão quando ama. Esse princípio Freud denominou a “degradação da vida amorosa” no homem: a cisão do amor e do desejo sexual. 

P.: E nas mulheres? 

J-A Miller: É menos habitual. No caso mais freqüente há desdobramento do parceiro masculino. De um lado, está o amante que as faz gozar e que elas desejam, porém, há também o homem do amor, feminizado, funcionalmente castrado. Entretanto, não é a anatomia que comanda: existem as mulheres que adotam uma posição masculina. E cada vez mais. Um homem para o amor, em casa; e homens para o gozo, encontrados na Internet, na rua, no trem…

P.: Por que “cada vez mais”? 

J-A Miller: Os estereótipos socioculturais da feminilidade e da virilidade estão em plena mutação. Os homens são convidados a acolher suas emoções, a amar, a se feminizar; as mulheres, elas, conhecem ao contrário um certo “empuxo-ao-homem”: em nome da igualdade jurídica são conduzidas a repetir “eu também”. Ao mesmo tempo, os homossexuais reivindicam os direitos e os símbolos dos héteros, como casamento e filiação. Donde uma grande instabilidade dos papéis, uma fluidez generalizada do teatro do amor, que contrasta com a fixidez de antigamente. O amor se torna “líquido”, constata o sociólogo Zygmunt Bauman (1). Cada um é levado a inventar seu próprio “estilo de vida” e a assumir seu modo de gozar e de amar. Os cenários tradicionais caem em lento desuso. A pressão social para neles se conformar não desapareceu, mas está em baixa. 

P.: “O amor é sempre recíproco”, dizia Lacan. Isso ainda é verdade no contexto atual? O que significa?

J-A Miller: Repete-se esta frase sem compreendê-la ou compreendendo-a mal. Ela não quer dizer que é suficiente amar alguém para que ele vos ame. Isso seria absurdo. Quer dizer: “Se eu te amo é que tu és amável. Sou eu que amo, mas tu, tu também estás envolvido, porque há em ti alguma coisa que me faz te amar. É recíproco porque existe um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é efeito do retorno da causa do amor que tu és para mim. Portanto, tu não estás aí à toa. Meu amor por ti não é só assunto meu, mas teu também. Meu amor diz alguma coisa de ti que talvez tu mesmo não conheças”. Isso não assegura, de forma alguma, que ao amor de um responderá o amor do outro: isso, quando isso se produz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação. 

P.: Não se encontra seu ‘cada um’, sua ‘cada uma’ por acaso. Por que ele? Por que ela? 

J-A Miller: Existe o que Freud chamou de Liebesbedingung, a condição do amor, a causa do desejo. É um traço particular – ou um conjunto de traços – que tem para cada um função determinante na escolha amorosa. Isto escapa totalmente às neurociências, porque é próprio de cada um, tem a ver com sua história singular e íntima. Traços às vezes ínfimos estão em jogo. Freud, por exemplo, assinalou como causa do desejo em um de seus pacientes um brilho de luz no nariz de uma mulher! 

P.: É difícil acreditar em um amor fundado nesses elementos sem valor, nessas baboseiras! 

J-A Miller: A realidade do inconsciente ultrapassa a ficção. A senhora não tem idéia de tudo o que está fundado, na vida humana, e especialmente no amor, em bagatelas, em cabeças de alfinete, os “divinos detalhes”. É verdade que, sobretudo no macho, se encontram tais causas do desejo, que são como fetiches cuja presença é indispensável para desencadear o processo amoroso. As particularidades miúdas, que relembram o pai, a mãe, o irmão, a irmã, tal personagem da infância, também têm seu papel na escolha amorosa das mulheres. Porém, a forma feminina do amor é, de preferência, mais erotômana que fetichista : elas querem ser amadas, e o interesse, o amor que alguém lhes manifesta, ou que elas supõem no outro, é sempre uma condição sine qua non para desencadear seu amor, ou, pelo menos, seu consentimento. O fenômeno é a base da corte masculina. 

P.: O senhor atribui algum papel às fantasias? 

J-A Miller: Nas mulheres, quer sejam conscientes ou inconscientes, são mais determinantes para a posição de gozo do que para a escolha amorosa. E é o inverso para os homens. Por exemplo, acontece de uma mulher só conseguir obter o gozo – o orgasmo, digamos – com a condição de se imaginar, durante o próprio ato, sendo batida, violada, ou de ser uma outra mulher, ou ainda de estar ausente, em outro lugar.

P.: E a fantasia masculina? 

J-A Miller: Está bem evidente no amor à primeira vista. O exemplo clássico, comentado por Lacan, é, no romance de Goethe (2), a súbita paixão do jovem Werther por Charlotte, no momento em que a vê pela primeira vez, alimentando ao numeroso grupo de crianças que a rodeiam. Há aqui a qualidade maternal da mulher que desencadeia o amor. Outro exemplo, retirado de minha prática, é este: um patrão qüinquagenário recebe candidatas a um posto de secretária. Uma jovem mulher de 20 anos se apresenta; ele lhe declara de imediato seu fogo. Pergunta-se o que o tomou, entra em análise. Lá, descobre o desencadeante: ele havia nela reencontrado os traços que evocavam o que ele próprio era quando tinha 20 anos, quando se apresentou ao seu primeiro emprego. Ele estava, de alguma forma, caído de amores por ele mesmo. Reencontra-se nesses dois exemplos, as duas vertentes distinguidas por Freud: ama-se ou a pessoa que protege, aqui a mãe, ou a uma imagem narcísica de si mesmo. 

P.: Tem-se a impressão de que somos marionetes! 

J-A Miller: Não, entre tal homem e tal mulher, nada está escrito por antecipação, não há bússola, nem proporção pré-estabelecida. Seu encontro não é programado como o do espermatozóide e do óvulo; nada a ver também com os genes. Os homens e as mulheres falam, vivem num mundo de discurso, e isso é determinante. As modalidades do amor são ultra-sensíveis à cultura ambiente. Cada civilização se distingue pela maneira como estrutura a relação entre os sexos. Ora, acontece que no Ocidente, em nossas sociedades ao mesmo tempo liberais, mercadológicas e jurídicas, o “múltiplo” está passando a destronar o “um”. O modelo ideal do “grande amor de toda a vida” cede, pouco a pouco, terreno para o speed dating, o speed loving e toda floração de cenários amorosos alternativos, sucessivos, inclusive simultâneos. 

P.: E o amor no tempo, em sua duração? Na eternidade? 

J-A Miller: Dizia Balzac: “Toda paixão que não se acredita eterna é repugnante” (3). Entretanto, pode o laço se manter por toda a vida no registro da paixão? Quanto mais um homem se consagra a uma só mulher, mais ela tende a ter para ele uma significação maternal: quanto mais sublime e intocada, mais amada. São os homossexuais casados que melhor desenvolvem esse culto à mulher: Aragão canta seu amor por Elsa; assim que ela morre, bom dia rapazes! E quando uma mulher se agarra a um só homem, ela o castra. Portanto, o caminho é estreito. O melhor caminho do amor conjugal é a amizade, dizia, de fato, Aristóteles. 

P.: O problema é que os homens dizem não compreender o que querem as mulheres; e as mulheres, o que os homens esperam delas… 

J-A Miller: Sim. O que faz objeção à solução aristotélica é que o diálogo de um sexo ao outro é impossível, suspirava Lacan. Os amantes estão, de fato, condenados a aprender indefinidamente a língua do outro, tateando, buscando as chaves, sempre revogáveis. O amor é um labirinto de mal entendidos onde a saída não existe.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Psicanálise: um “presente” para o futuro? Ela tem presente? Ela tem futuro?

por Marcos Castro
         

 O que pensaria um principiante – porém, corajosamente apaixonado – no estudo da ciência psicanalítica ao “bater de frente” com tantos questionamentos e controvérsias a respeito de sua eficácia, de seu presente e seu futuro? Uns desistiriam, outros se debruçariam sobre o pouco que estudaram.... 

 Afinal, por que, após (mais de) cem anos de existência e de resultados clínicos incontestáveis, a psicanálise é tão violentamente atacada pelos que pretendem substituí-la por tratamentos químicos, julgados mais eficazes porque atingiram as chamadas causas cerebrais das dilacerações da alma (Roudinesco, 2000)?

            Pergunto eu: onde e como, então, situar-me com a psicanálise?

Segundo Garcia-Rosa (2005), a resposta pode ser: em nenhum lugar preexistente!
Ainda segundo o mesmo autor, o próprio Freud apontou a psicanálise como a terceira grande ferida narcísica sofrida pelo saber ocidental ao produzir um descentramento da razão e da consciência (as outras duas feridas foram produzidas por Copérnico e por Darwin). 

A psicanálise teria, neste caso, operado uma ruptura com o saber existente e produzido o seu próprio lugar. O fato é que, ao percorrermos o – ou recorrermos ao – caminho empreendido por Freud, verificamos que seu começo – da psicanálise – é a produção do conceito de Inconsciente que resultou na clivagem da subjetividade. A partir deste momento, a subjetividade deixa de ser entendida como um todo unitário, identificado com a consciência e sob o domínio da razão, para ser uma realidade dividida em dois grandes “sistemas” – o Inconsciente e o Consciente – e dominada por uma luta interna em relação à qual a razão é apenas um efeito de superfície. Paralelamente à clivagem da subjetividade em Consciente e Inconsciente, dá-se uma ruptura entre enunciado e enunciação, o que implica admitir-se uma duplicidade de sujeito na mesma pessoa. 

Essa divisão não se faz em nome de uma unidade harmoniosa do indivíduo, mas produz uma fenda entre o “dizer” e o “ser”, entre o “eu falo” e o “eu sou”. Daí a conhecida inversão lacaniana da máxima de Descartes: “Penso onde não sou, portanto sou onde não penso”. Dito de outra maneira o cogito não é o lugar da verdade do sujeito, mas o lugar do seu desconhecimento.

            Portanto, sinto-me mais situado, consciente de que a psicanálise se apresenta como uma teoria e uma prática (uma ciência) que pretende falar do homem enquanto ser singular, mesmo que afirme a clivagem inevitável a que esse sujeito é submetido. O ato analítico é o ato da escuta – nem sempre calada – em busca da verdade do sujeito e não do sujeito da verdade (Garcia-Rosa, 2005). A psicanálise veio ocupar, a partir do século XX, este lugar da escuta do discurso individual.

            Mas ainda fica a questão: por que o ser que sofre precisa da psicanálise se tem a psicofarmacologia para cuidar dos sintomas de seu sofrimento?
Neste caso, – desta questão – não me arrisco a maiores contextualizações – até porque não é necessário.

De modo simples e introdutório, fica fácil de responder: a partir de 1950, as substâncias químicas modificaram a paisagem da loucura, do sofrimento; substituindo os tratamentos de choque pela redoma medicamentosa. Embora não curem nenhuma doença mental ou nervosa, elas – as substâncias químicas – revolucionaram as representações do psiquismo, “fabricando um novo homem”, polido e sem humor, esgotado pela evitação de suas paixões, envergonhado por não ser conforme ao ideal que lhe é proposto. Os remédios têm o efeito de normalizar comportamentos e eliminar os sintomas – só os sintomas! – mais dolorosos do sofrimento psíquico, sem lhes buscar significação (Roudinesco, 2000).

No que depender de mim a psicanálise continuará sempre sendo um presente para o futuro desde que nós a façamos presente, oferecendo-nos como ouvintes – às vezes conseguindo interpretar e ajudar o analisando na hiância do inconsciente que nos é mostrada na fala do sujeito.

Ainda não me sinto apto a inferir sobre o futuro da psicanálise; e muito menos quanto ao meu futuro como psicanalista – “só o analista se autoriza a si mesmo” – porém embaso-me em Elisabeth Roudinesco para escrever-lhes - e expor-lhes meu desejo de analista - que, a psicanálise restaura a idéia de que o homem é livre por sua fala e de que seu destino não se restringe a um ser biológico. Por isso, no futuro, ela deverá conservar integralmente o seu lugar, ao lado das outras ciências, para lutar contra as pretensões obscurantistas que almejam reduzir o pensamento a um neurônio ou confundir o desejo com uma secreção química.

Referências bibliográficas
GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. 21ed. Rio de Janeiro: Jorge Zafar Ed., 2005.
ROUDINESCO, E. Por que a psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zafar Ed., 2000.      
           
           




           




sábado, 8 de junho de 2013

Análise do Conto de Fadas "O Rei Sapo"

por Ana Scheer

Este trabalho tem como objetivo falar um pouco dos três ensaios sobre a teoria da sexualidade, escrito por Freud, através dos contos de fadas.

            O conto que escolhi para tematizar este pequeno artigo foi o conto entitulado “O Rei Sapo” dos Irmãos Grimm.

            Para articular o conto com os três ensaios sobre a teoria da sexualidade, escolhi o autor Bruno Bettelheim.

            Em “O Rei Sapo”, Bettelheim explora temas como narcisismo, auto-erotismo, perda da inocência infantil, os três ensaios sobre a teoria da sexualidade (“sexualidade infantil” e “ transformações da puberdade”), princípio de prazer, superego, Édipo, castração e escolha de objeto.

            Dentre estes temas destacados acima são de minha preferência para este trabalho  perda da inocência infantil, “As transformações da Puberdade”, Édipo e castração e escolha de objeto.

O Rei Sapo

            “O Rei Sapo” começa com a princesinha caçula brincando com uma bola de ouro ao lado de um poço. A bola cai dentro dele e a princesa fica muito triste e começa a chorar. Um sapo aparece perguntando o que a afligia; quando a menina conta a ele o que havia acontecido, o sapo se oferece para devolver-lhe a bola de ouro e em troca ela teria que aceitá-lo como seu companheiro, permitindo-lhe sentar-se ao seu lado, beber no seu copo, comer no seu prato e dormir com ela na cama. Ela promete isso tudo pensando que o sapo nunca pudesse ser o companheiro de uma pessoa. O sapo então, pega a bola e a devolve. Quando ele pede para ser levado ao palácio, a menina foge e se esquece do sapo.

            No dia seguinte, na hora do jantar da corte, o sapo aparece e pede para entrar e a princesa lhe fecha a porta. O rei que observa sua aflição pergunta o que está acontecendo e ela conta o sucedido e o rei insiste que ela mantenha a promessa. A princesa, então, abre a porta para o sapo, mas ainda hesita de levá-lo para a mesa e novamente o rei diz para ela cumprir a promessa. Mais uma vez, a princesa tenta renegá-lo quando o sapo pede para ir para a cama e o rei zangado diz que ela não deve desprezar quem a ajudou.

            Quando o sapo se deita com a princesa ela fica tão repugnada que o atira contra a parede e ele se transforma em um lindo príncipe.

Perda da inocência infantil

Segundo Bettelheim (1979), a perda da inocência infantil acontece no momento em que a bola de ouro da princesa cai no poço. Para o autor, a bola de ouro representa o símbolo da perfeição enquanto esfera e enquanto material, já que ouro é o material mais precioso. Além disso, a bola, segundo esse mesmo autor, representa também uma psique narcisista que ainda não foi desenvolvida, ou seja, a psique narcisista do sujeito criança, mas quando a bola cai no poço perde-se a ingenuidade ou entra-se no campo da puberdade.

A brincadeira da princesa com sua bola, como os Irmãos Grimm descrevem, representa a pulsão sexual auto-erótica que Freud fala nos três ensaios sobre a teoria da sexualidade, mais especificamente no segundo ensaio “A sexualidade infantil”. Laplanche (1982) explica que o auto-erotismo é a característica de um comportamento infantil pela qual uma pulsão parcial, ligada ao funcionamento de um órgão ou à excitação de uma zona erógena, encontra a sua satisfação no local, sem recorrer a um objeto exterior e sem referência da imagem do corpo unificado.

Segundo Freud, por Laplanche (1982), o auto-erotismo é “a pulsão que não é dirigida para outras pessoas; satisfaz-se no próprio corpo.” (p.47).

É importante lembrar, explica Laplanche (1982), que o auto-erotismo deve ser concebido como uma excitação sexual que nasce e se apazigua ali mesmo; é o prazer do órgão. A brincadeira da princesa com a bola representa o contato da zona erógena com outra parte do corpo, como uma masturbação, por exemplo.

Outro ponto ainda a ser explorado neste item, segundo Bettelheim (1979) é o contato da criança com o sexo que não está isento de repulsa, ansiedade, nojo e vergonha. Não é a toa que o primeiro contato amoroso/sexual da princesa no conto de fadas descrito anteriormente é com o sapo; um animal asqueroso que causa repulsa.

“Em outro nível a estória diz que não podemos esperar que nossos
primeiros contatos eróticos sejam agradáveis, pois são demasiado difíceis e estão cercados de ansiedade.” (BETTELHEIM, 1979. Pág. 328).

            Não podemos esquecer o que Freud (1905) fala sobre a angústia das crianças. Ele afirma que esta angústia remete à expressão da falta que as crianças sentem da pessoa amada e por isso se angustiam diante de qualquer estranho. É a representação do desvalimento.

Segundo Freud (1905) é na puberdade que surgem as mudanças que levam a vida sexual infantil à sua configuração normal definitiva. E é a partir do terceiro ensaio, ou seja, a partir das transformações da puberdade que a pulsão encontra o objeto sexual, que no conto do Rei Sapo, é o sapo que mais tarde vira príncipe.

Édipo e Castração.

            Édipo e Castração são temas também presentes no conto de fadas e que se relaciona com o terceiro ensaio sobre a teoria da sexualidade.

            Ao falar de Édipo neste item, podemos falar do Édipo do menino (sapo/príncipe) e do Édipo da menina (princesa).

            Para Bettelheim (1979), o Complexo de Édipo aparece no conto quando o príncipe ainda na forma de sapo, ou seja, o sujeito como criança, ainda precisa da mãe, que na estória é representada pela princesa.

“Complexo de Édipo é a representação inconsciente                                                                        pela qual se exprime o desejo sexual amoroso da 
       criança pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade
     para com o genitor do mesmo sexo.” (ROUDINESCO, 1998.
p. 166).

            Segundo Bettelheim (1979), o sapo é a criança que deseja uma relação simbiótica com a mãe, ou seja, a criança deseja sentar no colo da mãe, comer no seu prato, beber no seu copo, subir na sua cama para deitar com ela. Depois de certo tempo, esta simbiose com a mãe deve ser negada e por mais que a criança queira ficar na cama da mãe, esta tem de “atirá-lo fora”. Só quando os pais instauram o NÃO como barreira da simbiose é que a criança se inaugura como sujeito desejante e começa a ser ela mesma. E assim acontece com o sapo que é atirado longe pela princesa e vira um lindo príncipe.

            Segundo Freud, citado por Roudinesco (1998), o Complexo de Édipo está ligado à fase fálica da sexualidade infantil. Aparece quando o menino começa a ter sensações voluptuosas. Ele, então se apaixona pela mãe e quer possuí-la e coloca-se como rival do pai. O mesmo acontece com a menina, mas ela deseja o pai e se torna rival da mãe.

            Ainda citando Freud por Roudineso (1998), o Complexo de Édipo no menino desaparece com a castração, pois este reconhece na figura paterna o obstáculo à realização de seus desejos.

             Segundo Nasio (1997) o Complexo de castração acontece no menino em cinco tempos. O primeiro tempo é marcado pela descoberta do menino de que meninas não possuem pênis e a partir desta descoberta, a crença da universalidade do membro viril abre caminho para a angústia de um dia ficar despossuído de pênis; o menino pensa que a posse do tal órgão não é garantida. O segundo tempo é a ameaça verbal feita pelo pai de tirar o pênis do filho e com essa ameaça verbal o pai tira toda e qualquer esperança do menino de um dia tomar o lugar do pai na relação com a mãe; desse modo, o menino é obrigado à renunciar as fantasias de incesto e essa ameaça é internalizada pela criança e que constituirá as bases para o superego. O terceiro tempo também é uma ameaça verbal, porque é aonde se descobre a diferença anatômica entre homens e mulheres e para o menino em pleno Édipo a genitália da mulher não é a vagina; é a ausência de pênis. O menino diante desta descoberta se lembra das ameaças feitas pelo pai e percebe o perigo. O quarto tempo é marcado pela crença de que mulheres mais velhas e respeitáveis, como a mãe, são dotadas de um pênis e quando o garotinho percebe que essa mulher toda poderosa não tem o tal membro,  ele começa a viver a angústia da castração. Finalmente, no último tempo, o menino aceita a falta do pênis da mulher; aceita a lei da proibição e opta por salvar o seu pênis mesmo tendo que renunciar à mãe como parceira sexual; desse modo é possível a afirmação da identidade masculina e ele então busca uma outra parceira amorosa fora do triângulo edípico.

            Isso no conto de fadas do Rei Sapo, mostra que o sapo tem a princesa como mãe em pleno Édipo em um primeiro momento, quando ele pede para comer no prato dela, sentar no colo dela e beber no copo dela, e quando ele aceita a castração e adota sua identidade masculina, ou seja, quando vira príncipe, encontra-se com uma parceira sexual fora da relação edípica, que também é a princesa, mas é a princesa sob uma outra ótica, em um segundo momento.

            Também segundo Nasio (1997), o complexo de castração na menina passa por quatro tempos. No primeiro tempo, a menina acredita que ambos os sexos são dotados de pênis. No segundo tempo, a menina descobre que o clitóris é muito pequeno para ser um pênis e ela tem a fantasia da certeza de que foi castrada. No terceiro tempo há a descoberta de que a mãe é tão castrada quanto ela, então a menina a despreza por essa não ter-lhe dado um verdadeiro corpo de mulher. A partir disso, a menina destina seu ódio à mãe e dirige seu amor para o pai. Finalmente, no quarto tempo, a menina sai do complexo de castração e deseja um homem que possa lhe dar um pênis ou um falo e esse homem é o pai, então a menina entra assim no Édipo. Como a relação menina-pai é tão incestuosa como a relação menino-mãe, mais tarde, a menina vai atrás de sua escolha de objeto fora do triângulo edipiano. No conto presente neste trabalho, o objeto escolhido pela princesa é o príncipe.

            A castração é a expressão da impossibilidade de se ficar na simbiose, esta que é a representação do paraíso-completude. Somente ao se instaurar a castração, como impossibilidade humana da completude-paraíso, o sujeito se transforma em desejante, ou seja, um ser livre, um ser de cultura.

Príncipe e princesa: Encontro de objeto.

            “Mas é na esfera da representação que se consuma
inicialmente a escolha de objeto.” (FREUD, 1905.
P.213).

            Freud (1905) fala de dois tipos de escolha de objeto; a escolha de objeto por apoio e a escolha de objeto narcísica. É importante lembrar, que para ambos os tipos, Freud (1905) diz que escolha de objeto é o ato de eleger uma pessoa como objeto de amor.

            Freud (1905) diz que para a escolha de objeto acontecer na fase pós-pubertária, o caminho já foi preparado desde a mais tenra infância. Laplanche (1982) explica que o que orienta a escolha de objeto apóia-se nas imagens dos personagens parentais, ou seja, ama-se a mulher que alimenta e o homem que protege e estes sendo pessoas substitutivas dos pais da primeira infância; por isso Freud (1905) diz que “o encontro do objeto é, na verdade, um reencontro.” (p. 210).

“A afeição infantil pelos pais é sem dúvida
o mais importante , embora não o único, dos
 vestígios que, reavivados na puberdade,
 apontam o  caminho para a escolha de objeto.”
(FREUD, 1905, P. 216).

            Segundo Freud explicado por Laplanche (1982), o que está em jogo na escolha de objeto por apoio, enfatizada neste artigo, além da busca pelo objeto perdido e pela reprodução da primeira satisfação, é uma escolha de amor ligada à alimentação, aos cuidados, à proteção e ao objeto sexualmente satisfatório.

            O final do Conto “O Rei Sapo” nada mais é do que o príncipe e a princesa buscando o objeto sexualmente satisfatório ou a felicidade plena e eterna. Bettelheim (1982) para o jornal “O Globo” disse: “sem nunca mais ter que experimentar a ansiedade da separação” ou da castração.

Considerações finais.

            Com este artigo somos capazes de perceber a riqueza que é encontrada em uma aparente estória inocente e infantil. Além da riqueza deste tipo, conseguimos observar uma abundância de teoria psicanalítica e a grandeza de nosso aparelho psíquico.

            Em um simples conto de fadas foram desenvolvidos por Bettelheim nove temas da psicanálise, dos quais desbravei seis.

            Bettelheim, no livro, “A Psicanálise dos Contos de Fadas” afirma a importância dos contos para as crianças, porque todos esses assuntos aqui abordados e os não abordados também, são internalizados por estas que estão vivenciando todas essas etapas e construção da vida psíquica. A criança se identifica com os heróis, príncipes e princesas e conseguem elaborar melhor este turbilhão que é a formação do aparelho psíquico.

            "Há maior significado profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina." (Schiller)

            Também considero importante concluir que o Complexo de Édipo é considerado por Freud, um evento humano universal, que possibilita ao sujeito o ingresso na ordem da cultura e do simbólico. A triangularidade expressa no Édipo é a condição fundante da especificidade do humano. A interdição do incesto é a instauração da lei que culturaliza o sujeito. Temos assim uma significação existencial de antes e depois do Édipo. A criança vai ter que se haver com o fato de o humano ter dois representantes: um homem e uma mulher e que necessariamente ela terá que se identificar com um e escolher o outro como objeto. A interdição do incesto é a impossibilidade de se ficar na simbiose com a mãe, esta que é o primeiro amor. Esta é a condição de entrar na ordem da cultura a qual como humanos, pertencemos. Não podemos esquecer que somos serem essencialmente de relação; é a relação que nos define.
            No conto, a impossibilidade de permanecer fora da relação surge quando a bola cai no poço, pois o sapo se oferece para pegá-la. Entrar na relação exige do sujeito um retorno. Nós humanos estamos no conto sendo representados pela princesa e tentamos nos eximir de entrar na cultura e o pai, que é a função pai a que somos submetidos na primeira infância, é o representante da lei-cultura e cobra a saída do paraíso e o cumprimento da lei, ou seja, interdita a permanência fora da relação. Assim emerge-se um sujeito desejante.
            Como ressaltamos, o terceiro ensaio sobre a teoria da sexualidade, que trata das transformações da puberdade, reedita a primeira infância e não diferente, é geradora de angústia. Nesta fase, a teorias do Édipo e da castração serão responsáveis pela escolha objetal, que é decisiva na vida de um sujeito.
            O tema Contos de fadas foi escolhido para este trabalho, porque além de acreditar e concordar quando Bettelheim fala que a criança se identifica com heróis, príncipes e princesas, a história infantil de ficção pode ser trabalhada como um caso clínico, e esta foi a intenção apresentada neste artigo.

Referências:
BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Trad. Arlene Caetano. 3º edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
FREUD, S. (1905) Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. 7.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário de Psicanálise. Trad. Pedro Tamen. 1º edição. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
NASIO, J.D. Lições sobre 7 conceitos cruciais da Psicanálise. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Trad. Vera Ribeiro, Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
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