por Ana Scheer
Este
trabalho tem como objetivo falar um pouco dos três ensaios sobre a teoria da
sexualidade, escrito por Freud, através dos contos de fadas.
O conto que escolhi para tematizar
este pequeno artigo foi o conto entitulado “O Rei Sapo” dos Irmãos Grimm.
Para articular o conto com os três
ensaios sobre a teoria da sexualidade, escolhi o autor Bruno Bettelheim.
Em “O Rei Sapo”, Bettelheim explora
temas como narcisismo, auto-erotismo, perda da inocência infantil, os três
ensaios sobre a teoria da sexualidade (“sexualidade infantil” e “
transformações da puberdade”), princípio de prazer, superego, Édipo, castração
e escolha de objeto.
Dentre estes temas destacados acima
são de minha preferência para este trabalho
perda da inocência infantil, “As transformações da Puberdade”, Édipo e
castração e escolha de objeto.
O Rei Sapo
“O Rei Sapo” começa com a
princesinha caçula brincando com uma bola de ouro ao lado de um poço. A bola
cai dentro dele e a princesa fica muito triste e começa a chorar. Um sapo
aparece perguntando o que a afligia; quando a menina conta a ele o que havia acontecido,
o sapo se oferece para devolver-lhe a bola de ouro e em troca ela teria que
aceitá-lo como seu companheiro, permitindo-lhe sentar-se ao seu lado, beber no
seu copo, comer no seu prato e dormir com ela na cama. Ela promete isso tudo
pensando que o sapo nunca pudesse ser o companheiro de uma pessoa. O sapo
então, pega a bola e a devolve. Quando ele pede para ser levado ao palácio, a
menina foge e se esquece do sapo.
No dia seguinte, na hora do jantar
da corte, o sapo aparece e pede para entrar e a princesa lhe fecha a porta. O
rei que observa sua aflição pergunta o que está acontecendo e ela conta o
sucedido e o rei insiste que ela mantenha a promessa. A princesa, então, abre a
porta para o sapo, mas ainda hesita de levá-lo para a mesa e novamente o rei
diz para ela cumprir a promessa. Mais uma vez, a princesa tenta renegá-lo
quando o sapo pede para ir para a cama e o rei zangado diz que ela não deve
desprezar quem a ajudou.
Quando o sapo se deita com a
princesa ela fica tão repugnada que o atira contra a parede e ele se transforma
em um lindo príncipe.
Perda da inocência infantil
Segundo
Bettelheim (1979), a perda da inocência infantil acontece no momento em que a
bola de ouro da princesa cai no poço. Para o autor, a bola de ouro representa o
símbolo da perfeição enquanto esfera e enquanto material, já que ouro é o
material mais precioso. Além disso, a bola, segundo esse mesmo autor,
representa também uma psique narcisista que ainda não foi desenvolvida, ou
seja, a psique narcisista do sujeito criança, mas quando a bola cai no poço
perde-se a ingenuidade ou entra-se no campo da puberdade.
A
brincadeira da princesa com sua bola, como os Irmãos Grimm descrevem,
representa a pulsão sexual auto-erótica que Freud fala nos três ensaios sobre a
teoria da sexualidade, mais especificamente no segundo ensaio “A sexualidade
infantil”. Laplanche (1982) explica que o auto-erotismo é a característica de
um comportamento infantil pela qual uma pulsão parcial, ligada ao funcionamento
de um órgão ou à excitação de uma zona erógena, encontra a sua satisfação no
local, sem recorrer a um objeto exterior e sem referência da imagem do corpo
unificado.
Segundo
Freud, por Laplanche (1982), o auto-erotismo é “a pulsão que não é dirigida
para outras pessoas; satisfaz-se no próprio corpo.” (p.47).
É
importante lembrar, explica Laplanche (1982), que o auto-erotismo deve ser
concebido como uma excitação sexual que nasce e se apazigua ali mesmo; é o
prazer do órgão. A brincadeira da princesa com a bola representa o contato da
zona erógena com outra parte do corpo, como uma masturbação, por exemplo.
Outro
ponto ainda a ser explorado neste item, segundo Bettelheim (1979) é o contato
da criança com o sexo que não está isento de repulsa, ansiedade, nojo e
vergonha. Não é a toa que o primeiro contato amoroso/sexual da princesa no
conto de fadas descrito anteriormente é com o sapo; um animal asqueroso que
causa repulsa.
“Em
outro nível a estória diz que não podemos esperar que nossos
primeiros
contatos
eróticos
sejam agradáveis, pois são demasiado difíceis e estão cercados de ansiedade.”
(BETTELHEIM, 1979. Pág. 328).
Não podemos esquecer o que Freud
(1905) fala sobre a angústia das crianças. Ele afirma que esta angústia remete
à expressão da falta que as crianças sentem da pessoa amada e por isso se
angustiam diante de qualquer estranho. É a representação do desvalimento.
Segundo
Freud (1905) é na puberdade que surgem as mudanças que levam a vida sexual
infantil à sua configuração normal definitiva. E é a partir do terceiro ensaio,
ou seja, a partir das transformações da puberdade que a pulsão encontra o
objeto sexual, que no conto do Rei Sapo, é o sapo que mais tarde vira príncipe.
Édipo e Castração.
Édipo e Castração são temas também
presentes no conto de fadas e que se relaciona com o terceiro ensaio sobre a
teoria da sexualidade.
Ao falar de Édipo neste item,
podemos falar do Édipo do menino (sapo/príncipe) e do Édipo da menina
(princesa).
Para Bettelheim (1979), o Complexo
de Édipo aparece no conto quando o príncipe ainda na forma de sapo, ou seja, o
sujeito como criança, ainda precisa da mãe, que na estória é representada pela
princesa.
“Complexo de
Édipo é a representação inconsciente pela
qual se exprime o desejo sexual amoroso da
criança pelo genitor do sexo oposto e
sua hostilidade
para com o genitor do mesmo sexo.”
(ROUDINESCO, 1998.
p. 166).
Segundo Bettelheim (1979), o sapo é
a criança que deseja uma relação simbiótica com a mãe, ou seja, a criança
deseja sentar no colo da mãe, comer no seu prato, beber no seu copo, subir na
sua cama para deitar com ela. Depois de certo tempo, esta simbiose com a mãe
deve ser negada e por mais que a criança queira ficar na cama da mãe, esta tem
de “atirá-lo fora”. Só quando os pais instauram o NÃO como barreira da simbiose
é que a criança se inaugura como sujeito desejante e começa a ser ela mesma. E
assim acontece com o sapo que é atirado longe pela princesa e vira um lindo
príncipe.
Segundo Freud, citado por Roudinesco
(1998), o Complexo de Édipo está ligado à fase fálica da sexualidade infantil.
Aparece quando o menino começa a ter sensações voluptuosas. Ele, então se
apaixona pela mãe e quer possuí-la e coloca-se como rival do pai. O mesmo
acontece com a menina, mas ela deseja o pai e se torna rival da mãe.
Ainda citando Freud por Roudineso
(1998), o Complexo de Édipo no menino desaparece com a castração, pois este
reconhece na figura paterna o obstáculo à realização de seus desejos.
Segundo Nasio (1997) o Complexo de castração
acontece no menino em cinco tempos. O primeiro tempo é marcado pela descoberta
do menino de que meninas não possuem pênis e a partir desta descoberta, a
crença da universalidade do membro viril abre caminho para a angústia de um dia
ficar despossuído de pênis; o menino pensa que a posse do tal órgão não é
garantida. O segundo tempo é a ameaça verbal feita pelo pai de tirar o pênis do
filho e com essa ameaça verbal o pai tira toda e qualquer esperança do menino
de um dia tomar o lugar do pai na relação com a mãe; desse modo, o menino é
obrigado à renunciar as fantasias de incesto e essa ameaça é internalizada pela
criança e que constituirá as bases para o superego. O terceiro tempo também é
uma ameaça verbal, porque é aonde se descobre a diferença anatômica entre
homens e mulheres e para o menino em pleno Édipo a genitália da mulher não é a
vagina; é a ausência de pênis. O menino diante desta descoberta se lembra das
ameaças feitas pelo pai e percebe o perigo. O quarto tempo é marcado pela
crença de que mulheres mais velhas e respeitáveis, como a mãe, são dotadas de
um pênis e quando o garotinho percebe que essa mulher toda poderosa não tem o
tal membro, ele começa a viver a
angústia da castração. Finalmente, no último tempo, o menino aceita a falta do
pênis da mulher; aceita a lei da proibição e opta por salvar o seu pênis mesmo
tendo que renunciar à mãe como parceira sexual; desse modo é possível a
afirmação da identidade masculina e ele então busca uma outra parceira amorosa
fora do triângulo edípico.
Isso no conto de fadas do Rei Sapo,
mostra que o sapo tem a princesa como mãe em pleno Édipo em um primeiro
momento, quando ele pede para comer no prato dela, sentar no colo dela e beber
no copo dela, e quando ele aceita a castração e adota sua identidade masculina,
ou seja, quando vira príncipe, encontra-se com uma parceira sexual fora da
relação edípica, que também é a princesa, mas é a princesa sob uma outra ótica,
em um segundo momento.
Também segundo Nasio (1997), o
complexo de castração na menina passa por quatro tempos. No primeiro tempo, a
menina acredita que ambos os sexos são dotados de pênis. No segundo tempo, a
menina descobre que o clitóris é muito pequeno para ser um pênis e ela tem a
fantasia da certeza de que foi castrada. No terceiro tempo há a descoberta de
que a mãe é tão castrada quanto ela, então a menina a despreza por essa não
ter-lhe dado um verdadeiro corpo de mulher. A partir disso, a menina destina
seu ódio à mãe e dirige seu amor para o pai. Finalmente, no quarto tempo, a
menina sai do complexo de castração e deseja um homem que possa lhe dar um
pênis ou um falo e esse homem é o pai, então a menina entra assim no Édipo.
Como a relação menina-pai é tão incestuosa como a relação menino-mãe, mais
tarde, a menina vai atrás de sua escolha de objeto fora do triângulo edipiano.
No conto presente neste trabalho, o objeto escolhido pela princesa é o
príncipe.
A castração é a expressão da
impossibilidade de se ficar na simbiose, esta que é a representação do
paraíso-completude. Somente ao se instaurar a castração, como impossibilidade
humana da completude-paraíso, o sujeito se transforma em desejante, ou seja, um
ser livre, um ser de cultura.
Príncipe e princesa: Encontro de
objeto.
“Mas é na esfera da representação
que se consuma
inicialmente
a escolha de objeto.” (FREUD, 1905.
P.213).
Freud (1905) fala de dois tipos de
escolha de objeto; a escolha de objeto por apoio e a escolha de objeto
narcísica. É importante lembrar, que para ambos os tipos, Freud (1905) diz que
escolha de objeto é o ato de eleger uma pessoa como objeto de amor.
Freud (1905) diz que para a escolha
de objeto acontecer na fase pós-pubertária, o caminho já foi preparado desde a
mais tenra infância. Laplanche (1982) explica que o que orienta a escolha de
objeto apóia-se nas imagens dos personagens parentais, ou seja, ama-se a mulher
que alimenta e o homem que protege e estes sendo pessoas substitutivas dos pais
da primeira infância; por isso Freud (1905) diz que “o encontro do objeto é, na
verdade, um reencontro.” (p. 210).
“A afeição infantil pelos pais é sem dúvida
o
mais importante , embora não o único, dos
vestígios
que, reavivados na puberdade,
apontam
o caminho para a escolha de objeto.”
(FREUD, 1905, P. 216).
Segundo Freud explicado por
Laplanche (1982), o que está em jogo na escolha de objeto por apoio, enfatizada
neste artigo, além da busca pelo objeto perdido e pela reprodução da primeira
satisfação, é uma escolha de amor ligada à alimentação, aos cuidados, à
proteção e ao objeto sexualmente satisfatório.
O final do Conto “O Rei Sapo” nada
mais é do que o príncipe e a princesa buscando o objeto sexualmente
satisfatório ou a felicidade plena e eterna. Bettelheim (1982) para o jornal “O
Globo” disse: “sem nunca mais ter que experimentar a ansiedade da separação” ou
da castração.
Considerações finais.
Com este artigo somos capazes de
perceber a riqueza que é encontrada em uma aparente estória inocente e
infantil. Além da riqueza deste tipo, conseguimos observar uma abundância de
teoria psicanalítica e a grandeza de nosso aparelho psíquico.
Em um simples conto de fadas foram
desenvolvidos por Bettelheim nove temas da psicanálise, dos quais desbravei
seis.
Bettelheim, no livro, “A Psicanálise
dos Contos de Fadas” afirma a importância dos contos para as crianças, porque
todos esses assuntos aqui abordados e os não abordados também, são
internalizados por estas que estão vivenciando todas essas etapas e construção
da vida psíquica. A criança se identifica com os heróis, príncipes e princesas
e conseguem elaborar melhor este turbilhão que é a formação do aparelho
psíquico.
"Há maior significado profundo nos contos de fadas que
me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina." (Schiller)
Também
considero importante concluir que o Complexo de Édipo é
considerado por Freud, um evento humano universal, que possibilita ao sujeito o
ingresso na ordem da cultura e do simbólico. A triangularidade expressa no
Édipo é a condição fundante da especificidade do humano. A interdição do
incesto é a instauração da lei que culturaliza o sujeito. Temos assim uma
significação existencial de antes e depois do Édipo. A criança vai ter que se
haver com o fato de o humano ter dois representantes: um homem e uma mulher e
que necessariamente ela terá que se identificar com um e escolher o outro como
objeto. A interdição do incesto é a impossibilidade de se ficar na simbiose com
a mãe, esta que é o primeiro amor. Esta é a condição de entrar na ordem da
cultura a qual como humanos, pertencemos. Não podemos esquecer que somos serem
essencialmente de relação; é a relação que nos define.
No conto, a impossibilidade de
permanecer fora da relação surge quando a bola cai no poço, pois o sapo se
oferece para pegá-la. Entrar na relação exige do sujeito um retorno. Nós
humanos estamos no conto sendo representados pela princesa e tentamos nos
eximir de entrar na cultura e o pai, que é a função pai a que somos submetidos
na primeira infância, é o representante da lei-cultura e cobra a saída do
paraíso e o cumprimento da lei, ou seja, interdita a permanência fora da
relação. Assim emerge-se um sujeito desejante.
Como
ressaltamos, o terceiro ensaio sobre a teoria da sexualidade, que trata das
transformações da puberdade, reedita a primeira infância e não diferente, é
geradora de angústia. Nesta fase, a teorias do Édipo e da castração serão
responsáveis pela escolha objetal, que é decisiva na vida de um sujeito.
O
tema Contos de fadas foi escolhido para este trabalho, porque além de acreditar
e concordar quando Bettelheim fala que a criança se identifica com heróis,
príncipes e princesas, a história infantil de ficção pode ser trabalhada como
um caso clínico, e esta foi a intenção apresentada neste artigo.
Referências:
BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Trad.
Arlene Caetano. 3º edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
FREUD, S. (1905) Três
Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade.
Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.
Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. 7.
LAPLANCHE, J.;
PONTALIS, J.B. Vocabulário de
Psicanálise. Trad. Pedro Tamen. 1º edição. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
NASIO, J.D. Lições sobre 7 conceitos cruciais da
Psicanálise. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
ROUDINESCO, E.; PLON,
M. Dicionário de Psicanálise. Trad.
Vera Ribeiro, Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.